Maconha Medicinal É Igual a Maconha Comum?

Baseado é igual a maconha medicinal?

Maconha medicinal é igual à maconha comum?

Quando um adicto em recuperação se vê diante da possibilidade de um remédio feito da mesma planta que quase o destruiu

Não sei exatamente quando essa dúvida começou a me rondar. Só sei que, de uns tempos pra cá, ela não me deixa mais em paz.

E se, por acaso, um dia um médico me receitasse canabidiol? Como eu, um adicto em recuperação, reagiria diante da possibilidade de usar algo derivado da maconha — uma substância que me acompanhou nos piores momentos da minha vida?

A pergunta pode parecer simples pra quem nunca viveu com o risco real da recaída. Mas, pra mim, ela é carregada de tensão, medo e uma pontinha de revolta. Porque, pra quem já viu de perto o abismo da dependência, não existe essa coisa de “é só um remédio”.

O que eu fiz, então, foi o que costumo fazer quando estou diante de algo que me assusta: fui estudar. Fui buscar, com a cabeça aberta e o coração alerta, o que é, de fato, a tal maconha medicinal. E o que descobri me surpreendeu — pra melhor e pra pior.

1. A mesma planta, dois caminhos completamente diferentes

A primeira coisa que ficou clara pra mim é que usar a palavra “maconha” como se fosse uma só coisa é um erro tremendo. A planta é a mesma, sim. Mas o uso que se faz dela... ah, isso muda tudo.

THC e CBD: dois irmãos bem diferentes

A cannabis contém dezenas de compostos ativos, mas dois se destacam:

  • THC (tetraidrocanabinol): responsável pelo "barato", pela alteração da percepção, e também pelos riscos de dependência e distúrbios mentais;
  • CBD (canabidiol): atua no sistema nervoso sem causar euforia. Possui propriedades terapêuticas já comprovadas, como ação ansiolítica, anticonvulsivante, anti-inflamatória e até antipsicótica.

Um desses estudos, publicado na JAMA Network Open (2022), avaliou o uso de canabidiol transdérmico em adultos com epilepsia focal. O resultado? Uma redução significativa nas crises, sem efeitos colaterais psicoativos.

Ou seja: o CBD usado com fins medicinais não “dá onda”.

Já a maconha vendida na rua, aquela que quase acabou com a minha vida, tem concentrações altíssimas de THC — entre 15% e 30%. É um produto que nem de longe se parece com o óleo de CBD usado em consultórios.

2. A medicina não é a esquina

Foi nesse ponto que meu preconceito começou a balançar. Porque, na minha cabeça, maconha era tudo igual. Mas o que é vendido como medicamento tem controle de qualidade, padrão farmacêutico, receita médica, dose específica e finalidade clara.

O que diz a Anvisa

No Brasil, produtos à base de cannabis só são autorizados pela ANVISA se seguirem a RDC 327/2019, e a importação obedece a critérios específicos (fonte).

Hoje, existem mais de 30 produtos liberados para uso controlado. A concentração de THC nesses produtos é inferior a 0,3%, o que é praticamente nulo do ponto de vista psicoativo.

Não tem fumo, não tem cheiro, não tem “viagem”. O que existe ali é ciência.

O depoimento que me fez parar

Li o relato de um homem chamado Carlos (nome fictício), que começou a usar óleo de CBD por indicação médica para tratar dores crônicas. Ele contou:

“É como se o meu corpo respirasse. A dor dá uma trégua. E não tem barato nenhum. Se tivesse, eu não usaria.”

Aquilo me tocou. Porque era como se ele estivesse dizendo pra mim: "Dá pra usar a planta sem repetir o trauma".

3. Mas... e se um médico me receitasse?

A dúvida original ainda estava ali. E se um dia, numa dessas reviravoltas da vida, eu fosse diagnosticado com uma condição para a qual o CBD fosse o tratamento mais indicado?

A resposta, sendo muito honesto, ainda me assusta.

Sou um adicto. Não um ex-adicto. Essa palavra não se aposenta nunca. Eu posso estar limpo há 28 anos, mas o risco da recaída está sempre no retrovisor, pronto pra aparecer na próxima curva.

Se um médico colocasse um frasco com a palavra “cannabis” na minha frente, acho que eu suaria frio. Não porque o produto em si me fizesse mal, mas porque a memória do que essa planta representou na minha história é pesada demais.

Talvez, nesse caso, o maior perigo não esteja na substância — mas no símbolo. E símbolo, meu amigo, tem força.

4. A outra face da mesma moeda: o mercado sujo

Enquanto o uso medicinal da cannabis avança na ciência, o uso recreativo continua financiando um mercado podre — onde a planta virou apenas uma isca para algo muito maior e mais perigoso.

Uma droga “leve”?

Mentira. A maconha que circula nas ruas está cada vez mais potente, mais adulterada, mais conectada com redes de tráfico pesado.

Estudos mostram que cerca de 6% dos usuários recreativos desenvolvem dependência química. Segundo a Frontiers in Neurology (2024), o consumo constante de produtos com alto THC pode alterar estruturas cerebrais associadas à memória e ao controle de impulsos.

O elo com o crime

Comprar maconha ilegal é financiar facções criminosas como o PCC e o Comando Vermelho, que não se contentam só com a erva: eles vendem armas, lavam dinheiro, matam.

Um levantamento do INPAD (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) indicou que 1 em cada 3 usuários de maconha acaba experimentando cocaína ou crack em até dois anos.

5. Então o CBD é seguro?

Segundo o psiquiatra Dr. Rafael Vinhal da Costa, pesquisador vinculado à USP:

“A planta em si não é o problema. O risco está no contexto, na ausência de acompanhamento, no uso descontrolado.”

Isso me aliviou um pouco. Porque mostra que o próprio olhar da medicina já mudou. O que antes era tabu agora é ferramenta. Mas uma ferramenta que deve ser usada com responsabilidade — especialmente no caso de pessoas como eu.

6. Conclusão: é seguro? Talvez. Mas eu nunca vou me descuidar.

Depois de toda essa pesquisa, me sinto mais informado. Mais seguro? Talvez. Mas longe de relaxado.

A verdade é que o canabidiol pode ser um remédio eficaz, seguro, sem risco de euforia, e com grande potencial terapêutico. Mas também é verdade que, pra mim, qualquer substância que me lembre as drogas do passado precisa ser tratada com extrema cautela.

Se um dia eu precisar usar, vai ter que ser com acompanhamento. Vai ter que ser conversado com meu médico, com meu grupo de apoio, com minha consciência.

Porque, no fim, a diferença entre recaída e recuperação, entre coragem e descontrole, não está na planta. Está na forma como eu lido com ela.

Fontes consultadas

Postar um comentário

Deixe Aqui o seu Comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem