Do Uso Recreativo ao Uso Abusivo de drogas

Do Uso Recreativo ao Bausivo de Drogas

Quando o Prazer se Transforma em Prisão: Meu Relato Sobre o Uso Abusivo de Drogas

Como Tudo Começou: Um Convite à Diversão

Nunca imaginei que aquilo mudaria minha vida. A primeira vez que experimentei cocaína foi em uma roda de amigos, num bar. Alguém ofereceu, e eu aceitei: "só uma, para ver como é". Era fim de semana, final de expediente, clima leve. Parecia inocente. Senti mais energia, mais confiança. Pensei: “olha só, controlei de boa”. E foi só isso, naquele momento.

Essa sensação de autonomia é sedutora — e perigosa. A Organização das Nações Unidas (UNODC) estimou que, em 2021, cerca de 275 milhões de pessoas usaram alguma droga ao menos uma vez — e aproximadamente 36 milhões acabaram desenvolvendo transtornos relacionados ao uso, incluindo a dependência química.

O uso ocasional não é fruto apenas da fraqueza. Um relatório do National Institute on Drug Abuse (NIDA) indica fatores de risco bem definidos: predisposição genética, traumas, transtornos mentais preexistentes e o ambiente social são determinantes no caminho da dependência.

O Ciclo Escondido: De “só um pouco” a “não vivo sem”

No início, usar era social. Fim de semana, balada, churrasco. Parecia complementar. Até que, sem perceber, comecei a usar durante a semana, sozinho, no fim do expediente. Usei para aliviar o cansaço, a ansiedade. Depois, para não perder o ritmo. O que era diversão virou meu escape diário.

Foi aí que percebi o que realmente acontece: o cérebro aprende. Cria uma associação entre a substância e sentir-se bem, produtivo, capaz. A cocaína, o álcool, o crack — todas interferem no sistema de recompensa. O córtex pré-frontal, responsável por decisões, e o sistema límbico, que regula prazer, entram num ciclo cruel de busca constante. A vontade cresce, a vontade comanda.

Eu achava que controlava, mas era a substância que ditava os termos. Um outro sinal comum entre dependentes é perceber que as justificativas viram rotina: “só hoje”, “mereço”, “posso parar quando quiser”. Essas frases não são estratégias; são sinais de que o controle já foi embora.

O Lado Legal das Drogas: O Mais Perigoso

O álcool é licenciado, culturalmente aceito — mas mata muito. A UNODC e outras fontes apontam que ele é responsável por cerca de 3 milhões de mortes por ano, mais que qualquer droga ilegal. No Brasil, uma forte parcela de acidentes de trânsito, violência doméstica e até suicídios têm o álcool por trás.

Dados do Ministério da Saúde apontam que cerca de 6 milhões de brasileiros adultos têm um padrão de consumo de risco de dependência. O sistema público gasta bilhões lidando com as consequências: saúde, segurança, perdas de produtividade.

Se o álcool corrói com o tempo, o crack abala em semanas. Quando trabalhei como voluntário em um projeto de apoio a pessoas em situação de rua, vi vidas se destruindo em poucos dias — psicose, doenças, total colapso físico e psicológico. O crack sequestra o sistema de recompensa de forma agressiva, levando à compulsão, abandono, morte.

A Dependência: Muito Além de Falta de Força de Vontade

Dizer "era só força de vontade" é negar a realidade: a dependência altera o cérebro. Ela mexe com regiões como o córtex pré-frontal e o sistema límbico — componentes cruciais de controle e emoção. Quando a substância assume o controle, a escolha racional é subjugada.

Muita gente evita buscar ajuda. Por dor, vergonha, medo. A sociedade trata a dependência como falha moral — mas é uma doença. E essa narrativa atrasada impede tratamento, prolonga a fuga e, muitas vezes, destrói vidas.

Chegar ao Limite: O Meu “Dia D”

Meu "dia D" chegou com uma crise de pânico no trabalho. Coração disparado, visão turva, suor frio. Não consegui continuar. Fui afastado e, sem saída, disse à minha família que algo precisava mudar. Busquei ajuda — não por coragem, mas por desespero. Não queria mais aquela vida, mas não sabia parar.

Fui ao CAPS AD. Lá, encontrei uma equipe humana e dedicada. Psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais. Nos grupos, ouvi histórias parecidas com a minha. Não era caso isolado. Senti acolhimento, escuta, empatia.

A Recuperação: Passos, Não Milagres

Participei de Narcóticos Anônimos e Alcoólicos Anônimos. Grupos gratuitos, anônimos, baseados em partilha e apoio mútuo. Aprendi a dividir minhas dores e ouvir as dos outros. Descobri que vulnerabilidade não é fraqueza — é a base da reconstrução.

O SUS oferece suporte real por meio de uma rede estruturada:

  • Unidades Básicas de Saúde (UBS): primeiro acolhimento e escuta;
  • CAPS AD: atendimento psicossocial para casos de álcool e outras drogas;
  • Rede RAPS: integração com políticas públicas e acompanhamento contínuo.

A ajuda existe. É pública, gratuita e eficaz.

Conclusão: Uma Vida Reconstruída

Hoje, vivo com mais consciência. Ainda luto, mas não estou mais sozinho. Não preciso de substâncias para sentir prazer, coragem ou aceitação. Descobri que posso ser inteiro, mesmo imperfeito. A sobriedade me devolveu a liberdade.

Se você se identifica com essa história, saiba: há um caminho. Ele começa no acolhimento, na escuta, na decisão de pedir ajuda. E vale a pena.

Referências Oficiais

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