Drogas Legais e Ilegais
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Drogas legais e ilegais, qual a diferença? |
A armadilha disfarçada: não importa o tipo, todas ferem
"Nenhuma droga é inofensiva. Todas cobram um preço — da saúde, da dignidade, da vida."
Essa é uma das frases que ecoam nas reuniões de Narcóticos Anônimos (NA), onde homens e mulheres compartilham suas histórias de luta, queda e, para muitos, renascimento.
Quando se fala em drogas, o pensamento da maioria vai direto para substâncias ilegais, como cocaína, crack, ecstasy ou maconha (onde ainda é proibida). Mas o que dizer do álcool e do cigarro, que estão nas prateleiras de mercados e postos de gasolina, acessíveis a quase todos? E dos remédios tarja preta vendidos com receita, mas muitas vezes usados de forma abusiva?
A verdade é incômoda: a diferença entre drogas lícitas e ilícitas está, sobretudo, na legalidade — não na nocividade.
O vício pode começar no sofá de casa
Carlos*, de 43 anos, jamais imaginou que se tornaria dependente químico. Pai de dois filhos, funcionário público, começou a beber socialmente aos 17.
“Era só uma cervejinha no fim de semana, depois passou para todos os dias. Quando percebi, não conseguia mais dormir sem beber. E o pior: achava tudo normal, porque todo mundo fazia igual.”
A dependência química, explica a psicóloga e especialista em comportamento aditivo Renata Martins, “não se limita à substância ilícita. Ela está ligada à alteração do humor e do comportamento por meio de substâncias químicas. E isso pode vir tanto de uma pedra de crack quanto de uma garrafa de uísque”.
Em muitos lares brasileiros, o consumo de álcool e cigarro começa ainda na adolescência, incentivado pela naturalização dessas substâncias. De acordo com a Fiocruz, mais de 20% dos jovens entre 13 e 17 anos já consumiram álcool, e 9% já experimentaram cigarro eletrônico — um novo vilão, muitas vezes percebido como menos prejudicial.
Narcóticos Anônimos: "A droga é apenas um sintoma"
Para Narcóticos Anônimos, uma irmandade global que oferece apoio a dependentes em recuperação, não existe distinção entre tipos de droga. Em seus textos básicos, como o Livro Azul, lê-se:
“Nós acreditamos que não importa qual droga foi usada; a nossa identificação é com a doença, não com a substância.”
O foco, portanto, está na recuperação da obsessão e compulsão — seja ela pelo álcool, pela maconha, pelo crack ou por analgésicos opioides.
Joana*, de 29 anos, começou a tomar remédios para ansiedade aos 19. A dose foi aumentando, até que ela passou a comprar medicamentos falsificados pela internet.
“Eu não usava cocaína, não usava maconha. Mas o remédio era minha fuga. Achava que porque tinha bula e nome técnico, não era vício. Até que comecei a ter surtos de abstinência.”
Ela encontrou apoio em Narcóticos Anônimos, onde compreendeu que a droga, seja legal ou não, causa os mesmos efeitos destrutivos quando usada de forma compulsiva. “Lá ninguém me julgou. Só me disseram: ‘Você está entre iguais.’”
O impacto invisível
Drogas lícitas matam mais do que as ilícitas. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS):
- O álcool é responsável por cerca de 3 milhões de mortes por ano no mundo.
- O tabaco causa aproximadamente 8 milhões de mortes anuais.
- Já todas as drogas ilícitas somadas resultam em cerca de 500 mil mortes por ano.
Esses números chocam, mas também explicam por que a naturalização das drogas legais é tão perigosa.
“Você vê propagandas de cerveja em horário nobre, cigarros eletrônicos sendo vendidos como acessórios descolados, e farmácias empurrando medicamentos sem o devido controle”, alerta o médico psiquiatra Daniel Ribeiro. “É uma guerra silenciosa.”
Todas ferem da mesma forma
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Culpa, Remorso, a dor do uso |
No fundo, o que o vício destrói é universal: o amor-próprio, os vínculos familiares, a estabilidade emocional, a saúde.
Não importa se ele começa com um comprimido receitado, um copo de bebida ou um baseado compartilhado. O caminho, muitas vezes, é o mesmo: degradação.
“A droga me levou a perder tudo, mas também me levou a me reencontrar”, conta João Luiz*, um ex-dependente que hoje é voluntário em grupos de apoio.
“No fundo, todas elas fazem a mesma coisa: anestesiam a alma. E quando a alma adormece, a vida vira um pesadelo.”
Uma nova chance é possível
A boa notícia é que a recuperação é possível — e começa com a honestidade.
Aceitar que se tem um problema é o primeiro passo. Procurar ajuda, o segundo.
Grupos como Narcóticos Anônimos, Alcoólicos Anônimos e tantas outras instituições oferecem suporte gratuito, anônimo e respeitoso.
“A primeira coisa que você ouve é: ‘só por hoje’”, conta Joana. “E assim, um dia de cada vez, você reconstrói a sua vida.”
A diferença entre uma droga legal ou ilegal não muda o fato: todas podem destruir. E todas podem ser superadas.
*Alguns nomes foram alterados para preservar a identidade dos entrevistados.